Quer coisa melhor? “Se deixar, eu passo o fim de semana inteiro aqui”. Instantes depois de se deitar, curvado levemente como se fosse um feto, livre de suas tarefas terrenas pode-se enfim se entregar ao prazer. “A rede cria o espaço do sono. Ela suspende o indivíduo, aproxima-o do espaço celeste. “Numa rede está o contrário do fazer: o não fazer”.
Na capital mais quente do Brasil, Teresina, existe a expressão bró-bró, para apelidar o período de calor mais causticante do ano: os quatro meses que terminam em “bro”, setembro, outubro, novembro e dezembro. “Nessa época, a rede fora de casa é a melhor companheira para as noites de suor”, diz Zebinha um apaixonado por rede. “A regra sertaneja é pendurar a rede bem alto, de modo que apenas a mão encontre o chão. Queda ruim é de rede baixa. De rede alta é possível aprumar o jeito do cair”, diz. Outro detalhe: a rede deve ficar folgada. “O cabra prefere o diabo à rede tensa.” Segundo Zebinha, a melhor rede é a chamada de sol a sol, porque é grande, cabe um casal dentro e dá para dormir numa boa. Mas o próprio expert admite: “Rede boa é aquela que não dá vontade de levantar”.
A nação nordestina, a exemplo de Zebinha, é rica em criar metáforas da rede com a vida. Tem conselho: “Olha lá onde você vai armar a rede”. Elogio: “Fulano que sabe armar a rede é cara esperto”. Esta meio machista: “Não há rede igual nem mulher diferente”. Para viajantes inveterados: “Sicrano vive com a rede nas costas”. E, ainda, uma boa para quem precisa, digamos, meditar: “Ah, vá pedir conselho à rede”.
E será que a rede ajuda mesmo a pensar? “O balanço suave da rede trabalha a bipolaridade do cérebro, estimulando ao mesmo tempo o lado direito e o esquerdo, ou seja, o hemisfério subjetivo e o objetivo”, afirma Gil Kehl, terapeuta ayurvédico de São Paulo, que indica a rede para bolar projetos. “Esse é um momento em que ficamos bastante conscientes e presentes, numa espécie de estado de lucidez”, diz. Para ele, a rede ainda tem o valor de ser ortopédica. “Ao contrário da cama, ela encosta todos os apoios da coluna, aconchega e ajuda a relaxar os nervos e o corpo”, diz. Para quem quer dormir na rede, Gil, que já passou um ano na Bahia dormindo em uma, recomenda que o faça de atravessado, “o que deixa a coluna mais reta e confortável”.
Para Câmara Cascudo, não dá nem para comparar a rede com a cama. “O leito obriga-nos a tomar seu costume, ajeitando-se nele, procurando o repouso numa sucessão de posições. A rede não: ela toma o nosso feitio, contamina-se com os nossos hábitos e repete, dócil e macia, a forma do nosso corpo. Do jeito que a gente deita ela se molda.”
Mas, mesmo sendo usada só nos momentos de descanso e deleite, a rede lembra o gesto de ninar, o colo, o aconchego. Eta vidinha boa essa da rede. Quantos brasileiros não foram criados no ritmo? Um deles, com certeza, foi o mestre Câmara Cascudo, que termina seu livro com uma foto sua na mesma posição em que ele, eu, o Zebinha do Piauí, e outros milhões de brasileiros tanto adoramos ficar. Quer coisa melhor?
Fotos Acervo Kampa
Resumo do texto de Eduardo Petta para a revista Vida Simples. Para ler na íntegra, clique aqui!
2 Replies to “Rede de Dormir Relaxa o Corpo e Acalma a Mente”
Eduardo,
também, e em sendo…sou um admirador dos que gostam de rede.
Aho nas pessoas e suas redes os mesmos confortos…Simplicidade…Admiração e bom gosto.Os de “bem com a vida”.
Tenho um canção que escri a tempos quando morei no Ceará.
Diz mais ou menos assim:
Dentro da rede balança
Mais uma forma de vida
Se poucos meses criança
Rede na velha batida…
Se possível veja em meu blog.
musicaecultura-alipioblogspot.com
Parabénspelo texto.
Tínhamos uma redena nossa varanda. Era bastante disputada. Nunca foi usada para dormir. Só para descansar, ler, tirar um cochilo. Tenho saudades. Conhecendo, agora, os benefícios para o corpo e a mente, cresce a vontade de ter uma novamente